sexta-feira, março 31, 2006

Redes, carnaval e sustentabilidade ecológica

Luiz Felipe Muniz de Souza
Advogado, ecologista, terapeuta, psicopedagogo
lfmunizz@gmail.com
24/02/2006

Gostaria de falar sobre redes, não das redes de nossas varandas que nos convidam ao ócio e aos prazeres do sono após o almoço de verão. As redes que me refiro são aquelas das conexões possíveis, das comunicações inadiáveis e das estruturações virtuais e porque não dizer redes neurais de nosso tempo.

O problema é que em época de carnaval falar de redes parece fantasia e a fantasia nos remete aos sonhos infantis. Para o momento não caberá nem o discurso nem as idéias mirabolantes. Mas, veja bem, todos podemos fazer o mesmo discurso, muitos podem fazer o mesmo discurso, cada um de nós deve fazer o mesmo discurso, porém confesso, caros e caras, tem sido cada vez mais difícil para mim! Não consigo mais acolher com tranqüilidade os inumeráveis "belos" discursos que, de certa forma não se apropriam das mazelas históricas de nossa gente, uma gente sofrida e forjada pela violência vil dos europeus em fanfarra, encantados com o paraíso tropical detonaram os "selvagens", particularmente as selvagens de peles sedosas que tiveram seus úteros invadidos por genética incomum, mas tudo bem...(?)

Em seguida os negros dilacerados de seus lares fartos e arremessados como cães raivosos nas lavouras juvenis, fruto da devastação da exuberante mata de outrora que chamamos hoje de atlântica. Nem mesmo esta chaga de sangue e tortura foi capaz de aniquilar e ocultar o sorriso sempre estampado no rosto de cada brasileiro e brasileira.

Após 500 anos de dominação da direita, ou melhor, da visão burguesa de governo, da forma preconceituosa e hierárquica de exercer o poder na nação e de entender e acolher as diferentes culturas humanas - dividindo-as em classes para repartir desigualmente o pão de cada dia..., assistimos agora mais recentemente a entrada de outros no "palácio", boa parte de nós - os fartos - ficamos perplexos e em crise com as possibilidades de mudanças e desvendamentos, uma loucura que virou ícone nas palavras de Regina Duarte... Esta história ainda não terminou...!

Ah! Como aprecio hoje os muitos ensinamentos do Darci Ribeiro e outros grandes pensadores como Edgar Morin, Claude Lévi-Strauss, Domenico De Masi,... que tiram o Brasil como o celeiro e o útero de uma nova civilização, o elogio eloqüente à nossa tropicalidade, à nossa rica miscigenação, ao nosso desejo profundo por paz e por festas noite e dia, ao nosso enorme potencial acolhedor, ao nosso magnífico "jeitinho brasileiro" e brincalhão de levar as coisas para adiante - sinal maravilhoso de nossa enorme tolerância com o outro...

Infelizmente aquilo que alguns vêem como virtude de um povo, alguns outros importantes senhores e senhoras apenas se apropriam para detonar as nossas frágeis instituições e cutucar a nossa auto-estima nacional. Rebaixar a nossa moral coletiva é uma forma cruel de se fazer vedete e ao mesmo tempo campanha político-partidária contra o governo de ocasião, por isso que dizem que em época de copa do mundo tudo gira favorável ao governante instalado na alvorada ou nos demais castelos. A alegria contagia e desintoxica a alma, feliz é o povo que tem o futebol como cenário de luta por suas diferenças e convicções e um carnaval como o nosso para o deleite profundo da beleza e das paixões pela vida.

Ao mesmo tempo que a minha opinião possa gerar alguma suspeição por operar parte do meu tempo em uma empresa estatal de destaque, sei que talvez as minhas afirmativas facilite a vida afrouxando a alma de muitos que concordam e adotaram o silêncio ou a indiferença como instrumento de sobrevivência e desfaçatez.

O fato que classifico hoje como real e relevante é que o nosso carnaval é a expressão máxima de uma cultura humana multi-inter-transdisciplinar. Nós, povo brasileiro, conseguimos construir numa grande extensão territorial uma maneira única, maravilhosa e alegre de exibir a sagrada existência da vida humana através das festas de rua, dos bailes, dos blocos, das escolas de samba, dos frevos, dos maracatus, dos bois “pintadinhos” e de tantas expressões ainda não catalogadas. Infeliz o governante que cooptar esta magia na intenção descarada de autopromoção eleitoral!

O problema entonado continua por gerações e séculos o mesmo e não nos pertence propriamente, prezados leitores e leitoras, ele é da humanidade e de nosso tempo. Edgar Morin desnuda bem estes lençóis, estas dimensões - a crise humanitária atual - nas suas obras sobre o Método, particularmente no último livro sobre a ética, lá que encontrei algum conforto para as minhas mais abissais angústias. O gênero humano é capaz de discursos incomuns e belíssimos, músicas complexas e poesias transcendentais, tanto quanto o é para práticas levianas, perversas, egocêntricas e paradoxais.

A atenção que se exige hoje passa pelas redes, pela alegria e liberdade de nossos carnavais, mas somente poderá prosseguir dando algum sentido se soubermos canalizar estas energias rumo aos desafios e urgências da sustentabilidade ecológica.

Somente um povo como o nosso será capaz de inaugurar novos paradigmas estruturais e não será com uma visão reduzida de sustentabilidade que chegaremos lá. Os homens e mulheres dos planejamentos públicos de governo fazem uso sistemático deste termo, porém desconhecem os seus significados reais, iludem-nos com projetos ditos sustentáveis, quando na verdade são caóticos e obtusos, a pseudo-sustentabilidade é que rege a marcha desta engrenagem sem lubrificação.

A sustentabilidade desejada é aquela que acolhendo os ciclos naturais estabelece novos níveis de relacionamentos dos humanos com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Nas palavras de Fritjof Capra: “Uma vez que a característica notável da biosfera consiste em sua habilidade para sustentar a vida, uma comunidade humana sustentável deve ser planejada de forma que, suas formas de vida, negócios, economia, estruturas físicas e tecnologias não venham a interferir com a habilidade inerente à Natureza ou à sustentação da vida".

sexta-feira, março 24, 2006

Calvário da democracia


Luiz Felipe Muniz de Souza
Advogado, ecologista, terapeuta, psicopedagogo
lfmunizz@gmail.com
23/03/2006

Nos últimos anos por aqui não temos feito outra coisa a não ser assistirmos a uma contínua ruína institucional, política e ambiental desta magnífica e outrora promissora região norte-fluminense.

Desde tempos atrás, quando a eletricidade nos brindou em primeiro lugar e nossos rios eram ricos em pescado e águas da melhor qualidade, que as decisões das instituições públicas não contrariam os interesses dos instalados no poder estatal, porém nada se compara com os dias de hoje.

Para nós, cidadãos e cidadãs campistas, os endinheirados pelo petróleo que jorra, não há licitação nem há obras, tudo por decreto e empreitada do rei da província, quem puder, quiser e não se satisfizer com o resultado do pleito, que entre com a popular. Aos milhões de reais os peões do legislativo se protegem como podem nas asas da rainha das 10.000 obras suspeitas. No jogo da política partidária não há xadrez só freguês!

Se antes as enganações não nos tolhiam as festas regionais originais e nem nos tornavam sonâmbulos sem sonhos, mesmo que famintos, hoje somos todos tragados e agredidos, querendo você ou não, por uma certa aberração falaciosa anti-ética e arrogante em praticamente todos os cenários e segmentos institucionais – educação, política, saúde, meio ambiente, justiça, etc – que partindo daqui chegou ao Estado, sem antes deixar pelo caminho suas sementes gloriosas, que como ervas brotaram em profusão jamais registrada na história recente deste município, quiçá deste Estado.

Agora no delicado tapete das convenções partidárias nacionais o vale-tudo não se pré-ocupa com as cortinas e véus, com as suas próprias mãos e palavras, paira no ar a convicção da vitória do que gritar primeiro e inflar as galerias e galeras desocupadas contra o paredão, aquele que separa a plebe berrante e numerosa, dos engravatados e polidos veteranos encastelados nas certezas e nas glórias de outrora.

O menino rapa tudo com habilidade fulminante e acumula para si a experiência de velhas raposas arrependidas, cria tormentas inesperadas, sai ileso e entra glorioso quando quiser, e, como náufrago bem treinado, exibe tom sinistro em riso debochado na direção do “superior tribunal”; vejam bem onde estamos chegando, ou será que já estávamos lá?!

A maioria de nós assiste, no incômodo de sua poltrona, o triunfo da crise e a ruína da política partidária, que hoje se pratica no Brasil e em particular em Campos dos Goytacazes. Não creio haver dúvidas com relação ao insucesso deste modelo perverso, mas tenho uma forte intuição de que antes do seu fim, todos seremos tentados e convocados – tardia e desesperadamente –, pela força da natureza, para evitar que o caos veloz se instale de vez por aqui e acolá. Será? Veremos!

terça-feira, março 07, 2006

A morte de Antônio “Panela”

Nelson Crespo

Antônio “Panela” já havia enganado a morte uma vez. Depois de sofrer um derrame cerebral, foi “desenganado” pelos médicos e após vários dias na UTI voltou para a vida, há mais de 10 anos atrás. Com as seqüelas do ocorrido, teve que assumir uma vida diferente, mais limitada, mas que não tiraram dele a simplicidade, a imensa capacidade de ser prestativo e a alegria de viver, muitas vezes embalada pelos “xaropinhos” que ele bebia no Iskina's Bar, um dos estabelecimentos para quem ele fazia pequenos serviços gerais e de banco ali no quarteirão da Alberto Torres antes da linha do trem, à cem metros da minha casa...

Antonio “Panela” era meu amigo. Me chamava de “professor” e ficava todo orgulhoso quando eu dizia que ele era uma das “glórias da Alberto Torres”. Aliás, ele era querido por todos que o conheciam e que freqüentam aquele pequeno núcleo de lojas da famosa avenida e que inclui uma grande filial do Super Bom. Numa sexta feira dia 10 deste mês de fevereiro, após uma retirada num banco para uma destas lojas a quem servia, às 15 horas, Antonio foi assassinado com um tiro de pistola por trás, na porta da sua casa e em frente ao supermercado, por dois homens que o haviam seguido numa moto, numa tentativa frustrada de assalto. O dinheiro ficou no bolso de “Panela”...

Quando a violência das ruas sai das manchetes dos jornais para a nossa vida, quando a “vítima” não e só uma foto na tela da TV e sim um conhecido ou amigo, mais do que a grande revolta que sentimos, ela nos obriga a pensar mais profundamente sobre essa tão falada, temida e discutida violência urbana.

Em relação a este tema, como a tantos outros, a esquerda e a direita adotam posições contrárias e até mesmo antagônicas. Adoto aqui os conceitos de esquerda e direita definidos por Bresser Pereira(1), que por sua vez seguiu os passos do grande intelectual italiano Norberto Bobbio, e ambos afirmam que continuam vivos e atuais esses conceitos, sem lugar para uma suposta visão centrista “desideologizada”.

A direita coloca a questão da ordem social acima de qualquer outra na sociedade e assim, os problemas da violência têm que ser tratados dentro do império das leis e de um rigor cada vez maior destas, pois só o cumprimento da lei traz o equilíbrio social. Penas mais duras, diminuição da idade para a maioridade, maior poder de repressão, “exército nas ruas” e finalmente a defesa da adoção da Pena de Morte como solução maior, num “mix” que trazem diversas outras características, acabam sendo a solução proposta. Me espantou nos dias posteriores a morte de Antônio a preocupação de amigos e pessoas do bairro querendo saber se “já pegaram os caras”, como se isto trouxesse Antonio de volta. No fundo é como se a solução fosse “olho por olho, dente por dente...”.

Já para esquerda em pelo menos dois tipos definidos por Bresser, a esquerda radical que defende como a grande solução uma “verdadeira revolução socialista” ou para a esquerda crítica, que não chega a essa posição, mas que se auto define como uma crítica feroz do capitalismo e das suas contradições e que diz que seu papel é esse mesmo, apontar os “desvios de conduta” e a exploração capitalista, pois dentro da ordem capitalista, ainda mais “neoliberal”, não há nada mais a fazer a não ser expor o ponto de vista e a “voz dos oprimidos...”

Bem essas esquerdas simplesmente dizem que a violência urbana é uma filha natural do capitalismo a nada pode ser feito a não ser lutar por uma revolução cada vez mais “estratosférica” ou ficar denunciando a injustiça do “sistema”. Ou seja, nada se pode fazer, novos Antônios “Panelas” inevitavelmente continuarão a morrer.

Sem esquecer que ainda existem as propostas populistas que misturam os dois lados, pois são sempre “salvadores da pátria” que tem a solução no “bolso da camisa”, quero defender aqui uma posição que há muito tomei nas minhas perspectivas políticas e que ficam cada dia mais claras para mim, embora eu vá melhor explicitá-las em artigo posterior.

Eu falo da postura da esquerda social-democrática que entende que somente através de políticas públicas competentes, honestas e baseadas na ética é que poderemos mudar esse quadro da violência e porque não dizer da própria realidade social do país.

Em uma frase: a esquerda democrática tem melhores condições e maior competência para gerir o capitalismo do que a direita, em qualquer das suas matizes, porque essa esquerda coloca a justiça social como mais importante que a própria lei mas é democrática para entender que essa justiça só será alcançada se for resultado da vontade da sociedade e portanto resultado natural do avanço da democracia, que é o único sistema que respeita o outro e administra as diferenças.

Assim, a violência não se resolve só com repressão, mas tem que existir uma política de repressão enquanto a crise social estiver tão alarmante. Mas isso se faz com a “polícia inteligente” que privilegiando a investigação e a pesquisa obteve excelentes resultados em Nova York. Tem que admitir e combater publicamente a banda podre que existe nas polícias civis e militares, ao mesmo em que se tem que aumentar salários, melhorar a qualificação profissional e assim por diante e não criar guardas municipais que são meros cabides de emprego.

Da mesma forma é muito cômodo ficar falando em uma nova ordem social quando a maioria das pessoas que assim falam, reclamam de fato dos impostos que pagam, mas não usam e nem sentem falta da ausência das políticas públicas e não sabem da necessidade concreta e real que milhares de excluídos necessitam e que não podem ser reduzidas a distribuição de sacolões que como dizia o poeta “ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

É preciso publicisar o Estado brasileiro, fazer que ele chegue de fato a quem precisa. Ser de esquerda no Brasil é entender que o serviço público não chega a quem precisa e mudar isso, combater a plutocracia, o patrimonialismo, os diversos interesses corporativos que ficam com a maior parte do dinheiro público entre si e que é ser verdadeiramente revolucionário, ou melhor, aquele que é seu melhor nome e definição, é ser verdadeiramente democrático. Não é possível pensar que Antonio “Panela” morreu porque ainda não existe pena de morte ou porque o socialismo ainda não chegou. Hora, faça-me o favor....

(1)PEREIRA, Luis Carlos Bresser, O Paradoxo da Esquerda no Brasil, www.acessa.com/gramsci, Novembro de 2005.

Reflexões de um passeio à praia

Robson Santos Dias

Durante as férias universitárias, vinha aproveitando os momentos de folga para ir à praia dos Cavaleiros em Macaé. Geralmente eu ia até a praia de bicicleta passando pela Linha Verde, via expressa que passa por fora da cidade. Em um desses meus agradáveis passeios uma coisa me chamou a atenção. Um loteamento recentemente lançado no mercado imobiliário (não tem mais do que dois anos) já estava com toda infra-estrutura montada. Ruas asfaltadas, iluminação pública instalada, lotes demarcados, esgoto e distribuição de água instalados. Até aí tudo bem, a incorporadora construiu toda infra-estrutura, algo muito normal. Mas o que me impressionou foi o fato de que já existe um número considerável de casas de classe média alta quase prontas para morar. Não me lembrava de vê-las algumas semanas antes.

Lembrei-me de um outro momento, em meados do ano de 2005, visitei uma localidade pobre – o bairro Malvinas – que em tempos anteriores eu costumava ir semanalmente e também levei um susto ao constatar a existência de novas localidades carentes, cuja presença do poder público é praticamente inexistente. O mais impressionante é que essas novas localidades interligaram o bairro Malvinas com o bairro Nova Holanda, os dois principais bairros de baixa renda de Macaé, que, se seguirmos as ruas da cidade legal, possuem uma distância considerável um do outro. A população pobre conseguiu encurtar a distância entre os dois bairros ocupando áreas sem nenhuma infra-estrutura.

A minha surpresa talvez seja uma prova da minha distração, mas tenho certeza que os fatos supracitados surpreenderam muitas pessoas além de mim. Isto acontece porque o atual período de pujança econômica engendrou uma forte dinâmica demográfica que é por natureza dual. Esta dinâmica é impulsionada tanto por aqueles que trabalham no setor moderno da economia local, quanto por aqueles que não conseguem se inserir neste setor e vão para a informalidade. O espaço urbano macaense expõe de forma eloqüente esta dualidade.

Mas, como sabemos, o problema não é único em Macaé ou na sua região de entorno, apesar disso não nos abster de nossa responsabilidade com os mais desfavorecidos. O problema se reproduz, em maior ou menor grau, em cada cidade do país. O caso de Macaé é paradigmático por se tratar de uma cidade cada vez mais modernizada e globalizada, mas cujas contradições refletem o caráter conservador da modernização no Brasil.

A retórica do desenvolvimento exógeno presente nos defensores da refinaria não considera e nem nunca considerará esta questão. O que fazer com aqueles que não são aptos para a moderna economia? É preciso pensar em estratégias que possam dar a esta população o “direito à cidade”, mesmo se não incluídos na moderna economia globalizada.

Creio que não precisamos de idéias esdrúxulas, mas de revalorizar atividades tradicionais ignoradas pela economia formal. Criar oportunidades de vivência digna a partir de suas próprias atividades, de soluções endógenas, não necessariamente ligadas ao setor moderno da economia, pois este tem se mostrado cada vez mais excludente e o que precisamos em nossa sociedade é justamente aquilo que o setor moderno não faz, incluir.