domingo, maio 29, 2011

Manifesto de professores formandos de português

Desinformação e desrespeito na mídia brasileira

"Por alguma razão escondida dentro de cada um de nós que escrevemos esse texto tivemos como escolha profissional o ensino de língua (materna ou estrangeira). Por algum motivo desconhecido, resolvemos abraçar uma das profissões mais mal pagas do nosso país. Não quisemos nos tornar médicos, advogados ou jornalistas. Quisemos virar professores. E para fazê-lo, tivemos que estudar.

Estudar, para alguém que quer ensinar, tem uma dimensão profunda. Foi estudando que abandonamos muitas visões simplistas do mundo e muito dos nossos preconceitos.

Durante anos debatemos a condição da educação no Brasil; cotidianamente aprofundamo-nos sobre a realidade do país e sobre uma das expressões culturais mais íntimas de seus habitantes: a sua língua. Em várias dessas discussões utilizamos reportagens, notícias, ou fatos trazidos pelos jornais.

Crescemos ouvindo que jovem não lê jornal e que a cada dia o brasileiro lê menos. A julgar por nosso cotidiano, isso não é verdade. Tanto é que muitos de nós, já indignados com o tratamento dado pelo Jornal Nacional à questão do material Por uma vida melhor, perdemos o domingo ao, pela manhã, lermos as palavras de um dos mais respeitados jornalistas do país criticando, na Folha de S. Paulo, a valorização dada pelo material ao ensino das diferentes possibilidades do falar brasileiro. E ficamos ainda mais indignados durante a semana com tantas reportagens e artigos de opinião cheios de ideias equivocadas, ofensivas, violentas e irresponsáveis. Lemos textos assim também no Estado de São Paulo e nas revistas semanais Veja e IstoÉ.

Vimos o Jornal Nacional colocar uma das autoras do material em posição humilhante de ter que se justificar por ter conseguido fazer uma transposição didática de um assunto já debatido há tempos pelos grandes nomes da Linguística do país – nossos mestres, aliás. O jornalista Clovis Rossi afirmou que a língua que ele julga correta é uma “evolução para que as pessoas pudessem se comunicar de uma maneira que umas entendam perfeitamente as outras” e que os professores têm o baixo salário justificado por “preguiça de ensinar”. Uma semana depois, vimos Amauri Segalla e Bruna Cavalcanti narrarem um drama em que um aluno teria aprendido uma construção errada de sua língua, e afirmarem que o material “vai condenar esses jovens a uma escuridão cultural sem precedentes“. Também esses dois últimos jornalistas tentam negar a voz

contrária aos seus julgamentos, dizendo que pouquíssimos foram os que se manifestaram, e que as ideias expressas no material podem ter sucesso somente entre alguns professores “mais moderninhos”. Já no Estado de São Paulo vimos um economista fazendo represálias brutas a esse material didático. Acreditamos que o senhor Sardenberg entenda muito sobre jornalismo e economia, porém fica nítida a fragilidade de suas concepções sobre ensino da língua. A mesma desinformação e irresponsabilidade revelou o cineasta Arnaldo Jabor, em seu violento comentário na rádio CBN.

Ficamos todos perplexos pela falta de informação desses jornalistas, pela inversão de realidade a que procederam, e, sobretudo, pelo preconceito que despejaram sem pudor sobre seus espectadores, ouvintes e leitores, alimentando uma visão reduzida ao senso comum equivocado quanto ao ensino da língua. A versão trazida pelos jornais sobre a defesa do “erro” em livros didáticos, e mais especificamente no livro Por uma vida melhor, é uma ofensa a todo trabalho desenvolvido pelos linguistas e educadores de nosso país no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa.

A pergunta inquietante que tivemos foi: será que esses jornalistas ao menos se deram o trabalho de ler ou meramente consultar o referido livro didático antes de tornar públicas tão caluniosas opiniões? Sabemos que não. Pois, se o tivessem feito, veriam que tal livro de forma alguma defende o ato de falar “errado”, mas sim busca desmistificar a noção de erro, substituindo-a pela de adequação/inadequação. Isso porque, a Linguística, bem como qualquer outra ciência humana, não pode admitir a superioridade de uma expressão cultural sobre outra. Ao dizer que a população com baixo grau de escolaridade fala “errado”, o que está-se dizendo é que a expressão cultural da maior parte da população brasileira é errada, ou inferior à das classes dominantes. Isso não pode ser concebido, nem publicado deliberadamente como foi nos meios de comunicação. É esse ensinamento básico que o material propõe, didaticamente, aos alunos que participam da Educação de Jovens e Adultos. Mais apropriado, impossível. Paulo Freire ficaria orgulhoso. Os jornalistas, porém, condenam.

Sabemos que os veículos de comunicação possuem uma influência poderosa sobre a visão de mundo das pessoas, atuam como formadores de opinião, por isso consideramos um retrocesso estigmatizar certos usos da língua e, com isso, o trabalho de profissionais que, todos os dias, estão em sala de aula tentando ir além do que a mera repetição dos exercícios gramaticais mecânicos, chamando atenção para o caráter multifacetado e plural do português brasileiro e sua relação intrínseca com os mais diversos contextos sociais.

A preocupação dos senhores jornalistas, porém, ainda é comum. Na base de suas críticas aparecem, sobretudo, o medo da escola não cumprir com seu papel de ensinar a norma culta aos falantes. Entretanto, se tivessem lido o referido material, esse medo teria facilmente se esvaído. Como todo linguista contemporâneo, os autores deixam claro, na página 12, que “Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário“. Dessa forma, sem deixar de valorizar a norma escrita culta – necessária para atuar nas esferas profissional e cultural, e logo, determinante para a ascensão econômica e social de seus usuários, embora não suficiente – o material consegue promover o debate sobre a diversidade linguística brasileira. Esse feito, do ponto de vista de todos que produzimos e utilizamos materiais didáticos, é fundamental.

Sobre os conteúdos errôneos que foram publicados pelos jornais e revistas, foi possível ver que, após uma semana, as respostas dadas pelos educadores, estudiosos da linguagem e, sobretudo, da variação linguística, já foram bastante elucidativas para informar esses profissionais do jornalismo. Infelizmente alguns jornalistas não os leram. Mas ainda dá tempo de aprender com esses textos. Leiam as respostas de linguistas tais como Luis Carlos Cagliari, Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco, Sírio Possenti, e de educadores tais como Maria Alice Setubal e Maurício Ernica, entre outros, publicadas em diversas fontes, como elucidativas e representativas do que temos a dizer. Aliás, muito nos orgulha a paciência desses autores – foram verdadeiras aulas para alunos que parecem ter que começar do zero. Admirável foram essas respostas calmas, respeitosas e informativas, verdadeiras lições de Linguística, de Educação – e de atitude cidadã, diga-se de passagem – para “formadores de opinião” que, sem o domínio do assunto, resolveram palpitar, julgar e até incriminar práticas e as ideias solidamente construídas em pesquisas científicas sobre a língua ao longo de toda a vida acadêmica de vários intelectuais brasileiros respeitados, ideias essas que começam, aos poucos, a chegar à realidade das escolas.

Ao final de anos de luta para podermos virar professores, ao invés de vermos nossos pensadores, acadêmicos, e professores valorizados, vimos a humilhação violenta que eles sofreram. Vimos, com isso, a humilhação que a academia e que os estudos sérios e profundos podem sofrer pela mídia desavisada (ou maldosa). O poder da mídia foi assustador. Para os alunos mais dispersos, algumas concepções que levaram anos para serem construídas foram quebradas em instantes. Felizmente, esses são poucos. Para grande parte de nossos colegas estudantes de Letras o que aconteceu foi um descontentamento geral e uma descrença coletiva nos meios de comunicação.

A descrença na profissão de professor, que era a mais provável de ocorrer após tamanha violência e irresponsabilidade da mídia, essa não aconteceu – somente por conta daquele nosso motivo interno ao qual nos referimos antes. Nossa crença de que a educação é a solução de muitos problemas – como esse, por exemplo – e que é uma das profissões mais satisfatórias do mundo continua firme. Sabemos que vamos receber baixos salários, que nossa rotina será mais complicada do que a de muitos outros profissionais, e de todas as outras dificuldades que todos sabem que um professor enfrenta. O que não sabíamos é que não tínhamos o apoio da mídia, e que, pior que isso, ela se voltaria contra nós, dizendo que o baixo salário está justificado, e que não podemos reclamar porque não cumprimos nosso dever direito.

Gostaríamos de deixar claro que não, ensinar gramática tradicional não é difícil. Não temos preguiça disso. Facilmente podemos ler a respeito da questão da colocação pronominal, passar na lousa como os pronomes devem ser usados e dizer para o aluno que está errado dizer “me dá uma borracha”. Isso é muito simples de fazer. Tão simples que os senhores jornalistas, que não são professores, já corrigiram o material Por uma vida melhor sobre a questão do plural dos substantivos. Não precisa ser professor para fazer isso. Dizer o que está errado, aliás, é o que muitos fazem de melhor.

Difícil, sabemos, é ter professores formados para conseguir promover, simultaneamente, o debate e o ensino do uso dos diversos recursos linguísticos e expressivos do português brasileiro que sejam adequados às diferentes situações de comunicação e próprios dos inúmeros gêneros do discurso orais e escritos que utilizamos. Esse professor deve ter muito conhecimento sobre a linguagem e sobre a língua, nas suas dimensões linguísticas, textuais e discursivas, sobre o povo que a usa, sobre as diferentes regiões do nosso país, e sobre as relações intrínsecas entre linguagem e cultura.

Esse professor deve ter a cabeça aberta o suficiente para saber que nenhuma forma de usar a língua é “superior” a outra, mas que há situações que exigem uma aproximação maior da norma culta e outras em que isso não é necessário; que o “correto” não é falar apenas como paulistas e cariocas, usando o globês; que nenhum aluno pode sair da escola achando que fala “melhor” que outro, mas sim ciente da necessidade de escolher a forma mais adequada de usar a língua conforme exige a situação e, é claro, com o domínio da norma culta para as ocasiões em que ela é requerida. Esse professor tem que ter noções sobre identidade e alteridade, tem que valorizar o outro, a diferença, e respeitar o que conhece e o que não conhece.

Também esse professor tem que ter muito orgulho de ser brasileiro: é ele que vai dizer ao garoto, ao ensinar o uso adequado da língua nas situações formais e públicas de comunicação, que não é porque a mãe desse garoto não usa esse tipo de variedade lingüística, a norma culta, não conjuga os verbos, nem usa o plural de acordo com uma gramática pautada no português europeu, que ela é ignorante ou não sabe pensar. Ele vai dizer ao garoto que ele não precisa se envergonhar de sua mãe só porque aprendeu outras formas de usar o português na escola, e ela não. Ele vai ensinar o garoto a valorizar os falares regionais, e ser orgulhoso de sua família, de sua cultura, de sua região de origem, de seu país e das diferenças que existem dentro dele e, ao mesmo tempo, a ampliar, pelo domínio da norma culta, as suas possibilidades de participação na sociedade e na cultura letrada. O Brasil precisa justamente desse professor que esses jornalistas tanto incriminaram.

Formar um professor com esse potencial é o que fazem muitos dos intelectuais que foram ofendidos. Para eles, pedimos que esses jornalistas se desculpem. E os agradeçam. E, sobretudo, antes de os julgarem novamente, leiam suas publicações. Ironicamente, pedimos para a mídia se informar.

Nós somos a primeira turma a entrar no mercado de trabalho após esse triste ocorrido da imprensa. Somos muito conscientes da luta que temos pela frente e das possibilidades de mudança que nosso trabalho promove. Para isso, estudamos e trabalhamos duro durante anos. A nós, pedimos também que se desculpem. E esperamos que um dia possam nos agradecer.

Reafirmamos a necessidade de os veículos de comunicação respeitarem os nossos objetos de estudo e trabalho — a linguagem e o língua portuguesa usada no Brasil —, pois muitos estudantes e profissionais de outras áreas podem não perceber tamanha desinformação e manipulação irresponsável de informação, e podem vir a reproduzir tais concepções simplistas e equivocadas sobre a realidade da língua em uso, fomentando com isso preconceitos difíceis de serem extintos.

Sabemos que sozinhos os professores não mudam o mundo. Como disse a Professora Amanda Gurgel, em audiência pública no Rio Grande do Norte, não podemos salvar o país apenas com um giz e uma lousa. Precisamos de ajuda. Uma das maiores ajudas com as quais contamos é a dos jornalistas. Pedimos que procurem conhecer as teorias atuais da Educação, do ensino de língua portuguesa e da prática que vem sendo proposta cotidianamente no Brasil. Pedimos que leiam muito, informem-se. Visitem escolas públicas e particulares antes de se proporem a emitir opinião sobre o que deve ser feito lá. Promovam acima de tudo o debate de ideias e não procedam à condenação sumária de autores e obras que mal leram. Critiquem as assessorias internacionais que são contratadas reiteradamente. Incentivem o profissional da educação. E nunca mais tratem os professores como trataram dessa vez. O poder de vocês é muito grande – a responsabilidade para usá-lo deve ser também."

Alecsandro Diniz Garcia, Ana Amália Alves da Silva, Ana Lúcia Ferreira Alves, Anderson Mizael, Jeferson Cipriano de Araújo, Laerte Centini Neto, Larissa Arrais, Larissa C. Martins, Laura Baggio, Lívia Oyagi, Lucas Grosso, Maria Laura Gándara Junqueira Parreira, Maria Vitória Paula Munhoz, Nathalia Melati, Nayara Moreira Santos, Sabrina Alvarenga de Souza e Yuki Agari Jorgensen Ramos – formandos 2011 em Letras da PUC-SP, futuros professores de Língua Portuguesa e Língua Inglesa.

sexta-feira, abril 29, 2011

Representação ao MPE dos representantes da sociedade civil questionado a situação das catadoras de lixo com o fim do Lixão

O documento foi enviado ao blog pelo professor e assistente social, Renato Gonçalves, em 28 de abril de 2011:

"Campos dos Goytacazes, 30 de Março de 2011.

Exmos. Srs. Promotores de Justiça da 1a e da 2a Promotorias de Justiça e Tutela Coletiva/Núcleo Campos.

Drs. Êvanes Amaro Soares Júnior e Marcelo Lessa Bastos

Senhores Promotores

DOS FATOS

O Conselho Regional de Serviço Social /Delegacia de Campos, situado à rua 21 de Abril, 272 Sala 311, Centro; o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense, situado à rua José do Patrocínio, 71, Centro; o Lar Fabiano de Cristo, situado à Av. Francisco Lamego, 321, Jardim Carioca, representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência Social de Campos dos Goytacazes - gestão 2009/2011 -, neste ato representado(a) por Renato Gonçalves, Érica T. Vieira de Almeida e Luciana Custódio, o professor Aristides Arthur Soffiati Netto, RG 02285013-5 – IFP, residente à rua do Ipiranga, 56/602, Centro em Campos dos Goytacazes e Erica Justino de Alvarenga, residente à rua Principal nº53 na Terra Prometida, Sabrina da Silva Menezes, residente à rua 08, casa06, no Novo Eldorado, Admirta Guilherme da Silva, residente à rua A nº 50, no Parque Santa Edwirges, Bianca Ramos da Silva, residente à rua Santa Maria nº23, na Terra Prometida, Danielle dos Santos, residente à rua São Mateus nº 38 e Deise Nogueira dos Santos, residente à rua Principal nº 34, na Terra Prometida, representando os catadores de resíduos sólidos, infra-assinado(a)(s), vêm à presença de V. Exas. apresentar NOTÍCIA com base na Constituição Federal (Capítulo dos direitos sociais), na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº. 12.305 de 02 de agosto de 2010), requerendo, desde já, que o que o Ministério Público Estadual tome as providências necessárias para que o Poder Executivo Municipal, em respeito às LEIS SUPRACITADAS, torne público o contrato entre ele e a empresa responsável pela COLETA E DISPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS do município de Campos, assim como tome todas as providências necessárias à inclusão social e econômica dos trabalhadores que, há décadas, tiveram como a sua única e/ou principal renda a catação desses resíduos, hoje objeto de discussão pública com vistas à integração social e econômica dos mesmos.

Em maio de 2010, o CMAS recebeu um ofício de nº14/2010 (anexo 1) assinado pela assistente social Marza Batista e pela pedagoga Lourdes Castilho, ambas da Empresa Vital Engenharia Ambiental, documento este que também foi enviado aos vários órgãos e secretarias do município, relatando não só a situação daqueles que trabalham no “lixão”, mas, também, a sua maior preocupação – o fim da renda auferida com a catação e a venda do lixo reciclável com o fim do ATERRO CONTROLADO e a implantação de um aterro sanitário na localidade de CONSELHEIRO JOSINO, já licenciado pelo INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE (INEA).

Segundo o documento, em diagnóstico realizado em março de 2008, foram cadastrados 258 catadores, sendo 58% de mulheres. A renda da catação foi apresentada como a principal renda da família, mesmo para aqueles que são beneficiados por algum programa de transferência de renda (Bolsa Família ou Cheque-Cidadão). Dos trabalhadores entrevistados, 38% são catadores há mais de 10 anos, 21% têm entre 6 e 10 anos no lixão, 29% entre 1 e 5 anos e 11% até 1 ano.

A Terra Prometida concentra 39% dos catadores, seguido do Parque Eldorado (11%), Parque Santa Rosa (9%), Vila Industrial (7%) e Codin (6%). A maior preocupação dos catadores, como já adiantamos, é com a desativação do aterro controlado ou “lixão”, nas suas palavras, em decorrência da nova política de resíduos sólidos aprovada em agosto/2010. Segundo os mesmos, eles perderão a sua principal atividade de renda. De acordo com os técnicos da Empresa Vital Engenharia Ambiental responsável pela COLETA E DISPOSIÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS DO MUNÍCÍPIO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES, apenas 90 trabalhadores serão aproveitados na nova Usina de Reciclagem, um número bastante inferior àquele apresentado pelo diagnóstico (258) e pelos relatos dos próprios trabalhadores (mais de 300 catadores). As demais dúvidas são quanto ao início das atividades, aos critérios para a contratação, à situação de exclusão daqueles que não serão aproveitados, geralmente, aqueles que estão na catação há mais de 20 anos.

Somam-se a essas preocupações algumas outras como: 1) quais os termos desse contrato; 2) se o contrato entre a PMCG leva em consideração as diretrizes contidas na nova política nacional de resíduos sólidos e 3) se o PODER EXECUTIVO MUNICIPAL, no seu plano, tem a intenção de promover as atividades de cooperativas e associações de catadores de resíduos recicláveis e entidades de reciclagem, por meio de linhas de financiamento.

Cabe ressaltar que o processo de reciclagem adotado pelo município não apenas não incorporou os catadores tradicionais como também impossibilitou, com a coleta seletiva, que os catadores do lixão tivessem a sua renda aumentada, haja vista que “o lixo que chega ao lixão não tem mais a qualidade de antes” (palavras de uma catadora).

Segundo o próprio secretário Zacarias Albuquerque de Oliveira, a coleta em órgãos públicos, Ongs e empresas potencializou a coleta seletiva em Campos: “No início do atual governo, eram coletadas, em média, 43 toneladas/mês. A partir da nova estratégia implementada, já chegamos a 66 toneladas/mês de materiais recicláveis (plástico, papel, latas, alumínio e vidros)”. Ainda de acordo com o chefe da coleta seletiva, o trabalho é executado em 102 pontos, por 20 garis em caminhões-carroceria da Concessionária Vital Ambiental. Ele afirma, também, que todo o material reciclado recolhido é distribuído para depósitos municipais que separam o lixo e vendem para as indústrias que reciclam. O dinheiro recebido desta comercialização é destinado à Sociedade de Apoio à Criança e ao Idoso (Saci), gerido pelo Rotary Clube de Campos. Nas palavras do chefe da coletiva seletiva,
“nós tiramos as despesas da unidade e, com o lucro líquido, transformamos em cestas de alimento que são distribuídas para entidades credenciadas”.

Causa-nos estranheza não só a exclusão dos catadores, pelo menos daqueles que sempre estiveram no lixão da Codin, desrespeitando o art.18, inciso II, da Política Nacional de resíduos sólidos:

“implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda”,

mas, também, a forma como o executivo municipal vem operando com os recursos auferidos com a comercialização do lixo reciclável, que, a nosso ver, deveria ser realizada com a participação dos catadores que sempre viveram da renda do lixo, quando ele ainda não tinha tanto valor monetário.

Além disso, enquanto representantes do CMAS, gostaríamos de destacar que, enquanto ONG de apoio à infância e ao idoso, ela não possui registro no CMAS. E mais, segundo a legislação, nenhuma ONG ou entidade tem a prerrogativa de distribuir recursos públicos, oriundos ou não do Orçamento, já que cabe aos conselhos tal função.

Diante do exposto, manifestamo-nos contra a exclusão dos catadores tradicionais no processo de coleta seletiva que vem sendo implementado no município e solicitamos que V. Exa. tome as medidas necessárias ao cumprimento da nova política nacional de resíduos sólidos, sobretudo no que se refere ao art.19 e 42, que tratam do plano municipal.

Art. 19 - O plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos tem o seguinte conteúdo mínimo:

XI - programas e ações para a participação dos grupos interessados, em especial das cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda, se houver;

XII - mecanismos para a criação de fontes de negócios, emprego e renda, mediante a valorização dos resíduos sólidos;

Art. 42. O poder público poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas de:

III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda.

DO PEDIDO

1- Que o Executivo Municipal torne público o contrato entre ele e a empresa Vital Engenharia Ambiental responsável pela coleta e disposição dos resíduos sólidos do município;

2- Que o Plano Municipal a ser elaborado pelo Executivo Municipal, em conformidade com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos, leve em consideração as ações relativas à inclusão social e econômica dos trabalhadores que, há décadas, tiveram como a sua única e/ou principal renda a catação desses resíduos;

3- Que, com a desativação do aterro controlado e a instalação da nova Usina de Reciclagem, DO ATERRO SANITÁRIO DE CONSELHEIRO JOSINO, que prevê a contratação, como assalariados, de apenas 90 trabalhadores, o Executivo Municipal promova ações de inclusão social e econômica, em conformidade com a nova legislação sobre os resíduos sólidos, como cooperativas e associações de catadores de resíduos recicláveis e entidades de reciclagem, por meio de linhas de financiamento;

4- Que, ao contrário do que vem ocorrendo no processo de coleta seletiva, os catadores tradicionais sejam incorporados no processo, como, por exemplo, na separação prévia dos recursos sólidos, antes da disposição final;

5- Que haja transparência e controle social no que se refere à ação pública de coleta seletiva municipal, haja vista que os recursos auferidos com a comercialização do material reciclável é recurso de natureza pública e merece controle social, seja pelo CMAS (Conselho de Assistência Social), considerando as ações de apoio à criança e ao idoso, seja por outro Conselho;

6- Que as organizações coletivas dos catadores possam participar do debate público na elaboração do Plano Municipal DE RESÍDUOS SÓLIDOS, assim como outros segmentos da sociedade civil.

Muito atenciosamente."