sexta-feira, março 21, 2008

Panis et circenses

Bruno Lindolfo
Universitário de direito da Ucam-Campos
e-mail: blindolfo@gmail.com

A humanidade já presenciou e foi vítima de toda sorte de instrumentos de controle e manipulação social: regimes ditatoriais, a censura, a manipulação da notícia e informação, a propaganda, a fome, a violência. Todos eles continuam presentes, alguns mais ou menos que outrora, mas não se pode negar a perversidade maior daqueles que ao manipularem trazem consigo um instrumento de desvirtude de valores, buscando engendrar pensamentos desviantes, ou instaurar, em último caso, a completa ausência de senso crítico.

Política imperativa durante o Império Romano, o pão e circo garantia alimento lisérgico para corpo e espírito. Inebriados pela barbárie protagonizada pelos gladiadores e pela possibilidade de decidir em conjunto com o Imperador, podendo condicionar a decisão desse a sua vontade – o que, de certa forma, criava a sensação de partícipes da coisa pública, decorrente da empatia entre líder e liderados, os cidadãos romanos, entretidos pelas lutas mortais e alimentados pelo pão distribuído durante os espetáculos esqueciam de sua realidade. A barbárie que os circundava e afetava no cotidiano encontrava lenitivo nas dependências do Coliseu.

Séculos mais tarde mudaram-se apenas os métodos.

A política cultural de Campos, por exemplo, é resumida no entretenimento, nos shows, e não são poucos. O pão fica a cargo das contratações desordenadas, em números absurdos, cumprindo à risca o modus romano de doutrinação e dominação política e social.

Não se quer aqui abarcar a postura politicamente correta, exigindo explicação e finalidade moral para tudo, movendo verdadeira catilinária contra a política do entertainment - os shows têm seu lugar, embora questionável o fato de o poder público atuar, solitariamente, como promotor de eventos; mas em se tratando de erário é indispensável e obrigatório que esses eventos não sejam um fim em si mesmos, e que possam, de alguma maneira, somar.

Isso ocorre quando o poder público tira da inércia, típica dos espectadores, os que apenas observam absortos vultos da realidade, e os lança a condição de atores sociais, consciente de si, do que os cerca e, por isso, capazes de gerar expectativas para si e para sua cidade.

Há alguns anos a prefeitura subsidiava times milionários de basquete e vôlei, mas não se preocupou em desenvolver, paralelamente, escolas de iniciação esportiva para acolher crianças e jovens afoitos pela presença de tantos ídolos.

Campos é uma cidade que propositalmente ignora de forma solene seus nativos e ou momentos históricos de marco e projeção nacional. Querem, talvez, fazer jus a máxima que diz que um povo que não conhece sua história, não compreende seu presente ou pensa e projeta o seu futuro, criando terreno anônimo, amorfo e por isso fértil, para que possam fazer grassar o bacanal administrativo.

Não há absolutamente nada em Campos que demonstre que essa foi a primeira cidade da América Latina a receber luz elétrica, pelo contrário, o breu domina ruas e idéias. A livraria mais antiga do país está aqui, e em 164 anos de história não pode se dar ao luxo de vender apenas livros.

Didi, o “Príncipe Etíope”, certamente deu sua primeira “folha seca” nessa planície: é um ilustre desconhecido em sua própria terra natal. José do Patrocínio, Nilo Peçanha, Álvaro Vieira Pinto, José Cândido de Carvalho percorreram o mesmo caminho, lembrados, talvez, entre um cruzamento ou outro e um prédio em decomposição.

Resgatar e preservar a memória cultural de um povo é criar e sedimentar sua identidade, mantendo acesa a chama da esperança em dias melhores, na certeza que a pasmaceira atual é só mais uma página dentre os altos e baixos de sua história.

Para não dizer que não falei de flores e apenas teci um rosário de lamentações e ranzinices, algumas sugestões:

- Informatização do acervo da biblioteca do Palácio da Cultura, ainda feito de forma manual e recentemente inacessível porque, pasmem, o famigerado caderninho sumiu.
- Resgatar e valorizar os nomes da terra.
- Criação em calendário fixo de olimpíadas culturais.
- O mesmo em relação à prática esportiva, promovendo torneios entre escolas municipais.
- Políticas de incentivo à leitura nas escolas da rede pública.
- Participação junto à iniciativa Privada, na criação e democratização do acesso às escolas de música e teatro.
- Estruturação das quadras poliesportivas dos bairros, com educadores físicos desenvolvendo atividades diariamente.
- Ônibus climatizado, levando biblioteca ou cinema móvel para os distritos e bairros mais periféricos e carentes.
- Manutenção e ampliação da Bienal do Livro com distribuição gratuita de vale-livro.
- Incentivar a manifestação popular, como os blocos de carnaval, não com recursos pomposos, mas infra-estrutura, segurança e todo aparato necessário para uma festa decente, deixando a criação da folia do carnaval clássico (pequenos blocos, marchinhas, boi pintadinhos), como sempre ocorreu, a cargo da comunidade.
- Descontos no IPTU como contrapartida financeira, no incentivo à conservação da rua ou participação na coleta seletiva. Educação ambiental e cívica são instrumentos de formação cultural e formulação de uma nova mentalidade.

São pequenas ações que podem contribuir para uma virada de página, reescrita, incansavelmente, reeditando os mesmos erros há alguns bons anos.

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