quinta-feira, setembro 06, 2007

A paranóia do celular!

Prof. Vitor Augusto Longo Braz
Jornalista e profissional de Educação Física.


O mundo contemporâneo assistiu nas últimas décadas ao avanço extraordinário das tecnologias, mais precisamente da microeletrônica, campo que criou os mais sofisticados aparelhos. Diante desta nova realidade, a área de comunicação ampliou suas possibilidades, através da mídia eletrônica que, com seu poder de penetração, tem não somente influenciado mentalidades, como também formado novos valores e relações sociais.

O setor de comunicação, ao incorporar as novas tecnologias, mais especificamente há cerca de três décadas, tornou-se um setor que revolucionou, em todo o planeta, praticamente todas as áreas de atividades, envolvendo economia, política, cultura, a própria organização do tecido social e das relações, além de uma mudança radical de como utilizamos o principal recurso não-renovável, o curto tempo da nossa vida.

“A comunicação não se resume mais no conjunto de instrumentos técnicos que ajudam a conectividade dos seres humanos, ou numa disciplina para especialistas da área. Tornou-se um gigantesco aglomerado onde telefonia (voz), televisão (imagem) e informática (informação) se articulam para formar o que Denis de Moraes chama de infotelecomunicação, presente na lição de casa das nossas crianças, nas escolhas dos produtos do supermercado, nas nossas horas de lazer, na forma de organizarmos o nosso trabalho, no conhecimento que o Estado e empresas tem das nossas atividades, na maneira e no horário de um bombardeio de uma guerra, além da forma como as próprias bombas são guiadas. De certa forma, não podemos evitar ver o óbvio: este conjunto de atividades se agigantou de maneira fenomenal, adquirindo papel absolutamente central nas atividades humanas em modo geral. O que está mudando não é a comunicação, é a sociedade. E a comunicação desempenha um papel-chave nessa transformação. Não é apenas uma área, ou um setor de atividades: [e uma dimensão de todos setores, um vetor intensamente ramificado de transformação social.” (DOWBOR, 2000, p. 7)
[1]

Talvez em nenhuma outra época de nossa história o setor de comunicação tivesse tanta importância para a humanidade como no mundo atual. As profundas e abrangentes mudanças nos mais diversos ângulos do tecido social têm suscitado em um grande número de teóricos da atualidade, concernentes ou não à área de comunicação, denominação para contemplar o contemporâneo: a “Era das Comunicações”.

No que diz respeito às denominações dentro desta conexão da comunicação com a sociedade contemporânea, conforme comenta Antonio RUBIM, (2000, p. 79) em breve revisão acerca desse tempo comunicacional, marcado pelas tecnologias, as expressões múltiplas traduzem as novas realidades: “‘aldeia global’ (Mc Luhan), ‘era da informação’ ou ‘sociedade em rede’ (Manoel Castells), ‘sociedade informática’ (Adam Scahaff), ‘sociedade da informação’ (David Lyon, Krishan Kumar, dentre outros), ‘sociedade conquistada pela comunicação’ (Bernad Miégi), ‘sociedade da comunicação’ ou ‘sociedade dos mass média’ (Gianni Vattimo), ‘sociedade da informação ou da comunicação’ (Ismar de Oliveira Soares), ‘sociedade média-centric’ (Venício Artur de Lima), ‘capitalismo de informação’ (F. Jamesson), ‘planeta mídia’(Denis de Moraes). Todas essas denominações,entre muitas outras possíveis, têm sido insistentemente evocadas para dizer o contemporâneo.” .

Com o advento das novas tecnologias da comunicação e informação, nossa sociedade vive, hoje, num mundo sem o pleno sentido de nação, pois a referência geográfica já não tem grande valor. O que se observa é um mundo desterritoralizado, global, pluralizado culturalmente e com identidades fragmentadas. Vivemos, como muitos teóricos da comunicação intitulam, numa “aldeia global”, onde estamos ou podemos estar, em qualquer parte do universo, num só momento, a partir de um mesmo local. É o que se chama “Cyberespaço”, numa linguagem cibernética que faz referência ao espaço simbólico criado pela Internet e ao princípio da ubiqüidade.

Thompson
[2] (2002, p. 77), ao se referir às novas formas de interação criadas pelo desenvolvimento dos meios de comunicação, ressalta:

“O desenvolvimento dos meios de comunicação não somente criou novas formas de interação, mas também fez surgir novos tipos de ação que tem características e conseqüências bem distintas. A característica mais geral destes novos tipos de ação é que eles são responsivos e orientados a ações ou pessoas que se situam em contextos espaciais (e talvez também temporais) remotos. Em outras palavras, o desenvolvimento dos meios de comunicação fez surgir novos tipos de ‘ação à distância` que se tornaram cada vez mais comum no mundo moderno. Enquanto nas mais antigas sociedades as ações e suas conseqüências eram geralmente restritas aos contextos de interação face a face e as suas circunvizinhanças, hoje é comum ver os indivíduos orientarem suas ações para outros que não compartilham o mesmo ambiente espaço-temporal, e com conseqüências que ultrapassam de muito os limites de seus contextos e localizações.”

Essas transformações decorrentes das tecnologias de última geração acabaram por alterar o estatuto da ética, de forma jamais vista ao longo da história, pois se antes a ética era a representação moral da espécie, algo visto como uma dádiva divina presente na condição ontológica “ser humano”, hoje, a tecnologia aponta para mil e uma possibilidades que alteram tal visão.

Nesse contexto atual, no qual a tecnologia tem papel preponderante, a invasão da privacidade alheia, tem sido como uma aquisição positiva, sobretudo sob o ponto de vista político-policial, os limites são derrubados e o sujeito é tomado por um poder e uma sensação de controle sobre o seu mundo, até bem pouco tempo inimaginável. Há um sentimento de que tudo é possível diante de tecnologias que prometem o controle de todos os atos e desejos dos indivíduos.

Assim, mesmo que não se possa retirar o aspecto positivo dos avanços no campo da tecnociência, principalmente no que se refere, aos cuidados com o seu uso, hoje bem maiores em razão do aprimoramento dos equipamentos que permitem inclusive, visualizar o interior do cérebro e de outros órgãos, promover uma medicina preventiva e/ou predicativa, está ao alcance de todos.

A tecnologia é um dos fatores de subjetivação contemporânea, porque penetra na vida dos sujeitos sociais como algo naturalizado, visto que os novos cenários a consideram como parte da vida humana. Ninguém se imagina mais, no mundo ocidental, sem um aparelho de televisão, sem um aparelho de CD, sem um telefone. Essas ferramentas tecnológicas já fazem parte da vida dos homens, banalizadas pelo uso e, cada vez mais exigindo inovações, pois o mercado competitivo e as características do espaço-tempo pós-moderno, acabam por tornar o novo de hoje, no obsoleto de amanhã.

Com base em uma visão crítico-reflexiva dos poderes adquiridos pelos homens diante da presença maquínica em suas vidas, o que se percebe é a presença de um individualismo novo, espécie de cuidado contemporâneo, que alimenta socialmente os sujeitos, conferindo-lhes a auto-segurança necessária para a aceitação nos grupos em que circulam. Essa espécie de autocuidado muitas vezes ocorre de forma inconsciente, no processo pulsional de vida e morte, na dialética entre o “eu” e os “outros”, o “particular” e o “geral”.

Assim é importante, compreender que o poder de controle sobre o indivíduo, é um aspecto cultivado pelas mídias, que por meio de tecnologias sofisticadas, de certa forma, traduzem o drama, ou as tramas, do ser humano, principalmente no que diz respeito a sua ética e valores interiores.

Hoje, a tecnologia dita o tempo humano através de diferentes registros e o homem depende cada vez mais das ferramentas tecnológicas para garantir o espaço-tempo do movimento do mundo globalizado. O “glocal”, conceito cada vez mais presente nas mídias, coloca o homem de determinado lugar em todos os lugares, uma vez que pelas redes comunicacionais, ele é visto, ouvido e inserido virtualmente em qualquer parte do mundo.

Faço esse longo preâmbulo, embasado em autores teóricos, que tive a oportunidade de ler e estudar, durante o mestrado que conclui em Comunicação e Cultura, pela UFRJ, para chegar finalmente ao assunto, que tem como título esse artigo: “A paranóia do celular”.

Nessa esteira de avanços tecnológicos, órgãos públicos de controle, fiscalização e investigação policial, tem-se utilizado com enorme freqüência da tecnociência para desvendar falcatruas políticas e desvendar crimes diversos. Falar ao celular, hoje, tornou-se, para muitos, uma desconfiança da invasão de sua privacidade, a ponto de deixar paranóicos muitos administradores e gestores da coisa pública. Grampos telefônicos é o que mais se assiste nos telejornais, como instrumento policial e político, no combate a criminalidade e corrupção existente, tanto nos guetos marginalizados, quanto nas repartições públicas diversas, de âmbito federal, estadual e municipal.

Há poucos dias, tive uma ingrata tristeza, ao ligar para um gestor público para falar de um assunto pertinente a sua pasta, na verdade apresentar sugestão e idéias, e o que ouvi desse gestor foi uma grosseria, demandada pelo seu pavor, medo, desconfiança, sei lá o que. O meu interlocutor encurtou de imediato a conversa, alegando que não poderia tratar daquele assunto via celular. Fiquei chateado, pois ao meu ver a tecnologia, no caso o telefone celular, foi criado para facilitar a vida e encurtar o tempo, tão escasso nos dias atuais. Deu a entender que havia um medo, uma paranóia, do referido gestor púbico, quanto a uma possível escuta telefônica.

Minha indignação foi grande, pois o assunto da conversa, que diga-se de passagem, não aconteceu, era de seu interesse e não havia nada de indecoroso no seu contexto, apenas uma idéia e sugestão que queria apresentar a esse gestor público municipal, com objetivo de auxiliá-lo em sua tarefa.

Agindo dessa maneira com as pessoas que lhe ligam, esse gestor público, deixa a imprensão, para os que não o conhecem, de que ele está “devendo” algo, ou até agindo “indecorosamente”, de alguma forma, no trato da coisa pública. Pois, como diz o tão famoso, quanto antigo, ditado popular: “Quem não deve não teme”. Como lhe conheço, sei que sua atitude foi, apenas, de adubado cuidado, com conversas ao celular. No entanto, sua atitude foi grosseira e confesso que fiquei chateado.

Falando por mim, continuarei usando meu celular, sem medo, pois apesar de não ocupar cargo executivo em nenhuma esfera de poder, não compactuo de ações que não condizem com a ética e a moral, preceitos, que devem ser básicos de todo ser humano, principalmente àqueles que lidam com a coisa pública.

Do meu celular podem fazer quaisquer escutas, gravar quaisquer conversas, pois como disse anteriormente: QUEM NÃO DEVE NÃO TEME”!


[1] DOWBOR, Ladislau et all. Desafios da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7.
[2] THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade - Uma Teoria Social da Mídia. 4ª ed., 2002, p. 77.

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