Luiz Felipe Muniz de Souza
Advogado e ecologista - lfmunizz@gmail.com e http://luizfelipemunizdesouza.zip.net/
Campos, 19/09/2008.
Mais uma vez nos encontramos na encruzilhada das eleições municipais – talvez a mais importante de todas – e paira no ar aquela sensação amarga de continuísmo crônico da desordem. Exatamente aqui, nos campos dos bravos povos goitacá de outrora e no laboratório dos engenhos de açúcar da colônia, movidos à força bruta de negros e de índios em maldição eterna. Será esse o nosso carma coletivo? Talvez sim, talvez não! Mas esta é ou não é a história de toda uma nação?
Entender o furacão financeiro em escala global, a saga do povo de Evo Morales e o drama da Raposa Terra do Sol parece muito mais fácil do que assimilar os desígnios dos deuses reservados para Campos dos Goytacazes em pleno século XXI, tão rica e tão miseravelmente conduzida por “legítimas” lideranças políticas.
Relendo o “Povo Brasileiro”, do grande intelectual que aprendeu a ser político: Darcy Ribeiro, encontro algumas pérolas para a nossa inoportuna reflexão sobre os tempos passados e de agora:
“...o Vaticano estabelece as normas básicas de ação colonizadora...É o que se lê na bula Romanus Pontifex, de 8 de janeiro de 1454, do papa Nicolau v:
...infante d. Henrique, incendiado no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis...Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação, concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e de seus descendentes...
...o Novo Mundo era legitimamente possuível por Espanha e Portugal, e seus povos também escravizáveis por quem os subjugasse... ” pág. 39/40
Em toda a América do Sul se deu, e ainda se processa, o encontro de mundos díspares. Na costa brasileira a coisa foi, e ainda é, muito mais ardente e gloriosa com a chegada dos negros africanos encruados e maltrapilhos.
O intelectual e político Darcy Ribeiro afirma em sua obra que “Frente à invasão européia, os índios defenderam até o limite possível seu modo de ser e de viver. Sobretudo depois de perderem as ilusões dos primeiros contatos pacíficos, quando perceberam que a submissão ao invasor representava sua desumanização como bestas de carga.”pág. 49 Quanto aos negros ele relata que “Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas...Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, no lado de cá...outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do ano.” pág. 119
Os europeus que aqui aportaram, segundo Darcy, “eram gente prática, experimentada, sofrida, ciente de suas culpas oriundas do pecado de Adão, predispostos à virtude, com clara noção dos horrores do pecado e da perdição eterna...a vida era uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos condenava ao trabalho e tudo subordinava ao lucro.”pág. 47
E agora nós brasileiros – mais do que mamelucos e crioulos –, o quê somos e para onde seguimos?
Segundo Darcy, o ex-senador da República, “somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado...Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade...até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros...Olhando-os, ouvindo-os, é fácil perceber que são, de fato, uma nova romanidade, uma romanidade tardia mas melhor, porque lavada em sangue índio e sangue negro.”pág. 453
Se os nossos Partidos Políticos regionais não puderem ser inundados por pensadores tão obstinados como o foi Darcy Ribeiro para o Brasil, penso que perdemos muito todos. O tempo da pesquisa e do discurso acadêmico precisa abrir espaço à dialógica desafiadora do encontro / desencontro, mais que real, com o povo que todos somos. A cidade de Campos dos Goytacazes precisa ser reinventada, como a Bolívia de Evo Morales, como o sistema financeiro global, etc, e certamente este trabalho deve ser simultâneo e perene junto aos Partidos Políticos, pois a Democracia não passa de uma idéia – as Instituições da República nos provam isso –, ela ainda é um pequeno embrião entre nós!
2 comentários:
http://camposeseuspoliticos.blogspot.com/
Sabe, Darcy Ribeiro captou...filosofou... amou... amou ardentemente este Brasil!
Semeou pesquisa em Campos...
Mas Morreu antes de saber que tinha mais leituras a fazer.
Só assim preencheria suas lacunas e lacunas deixadas.
Esse embrião de democracia, parece estar sendo abortado... com a NOva Ordem, que em Nome da Paz, vai ter todos em suas mãos.
Menos os cristãos assumidos, que vão preferir a morte, a se deixar aprisionar.
A democracia vai eleger o anticristo.
Viajei, né?
Mas é que olho muito para cima...
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