terça-feira, março 07, 2006

A morte de Antônio “Panela”

Nelson Crespo

Antônio “Panela” já havia enganado a morte uma vez. Depois de sofrer um derrame cerebral, foi “desenganado” pelos médicos e após vários dias na UTI voltou para a vida, há mais de 10 anos atrás. Com as seqüelas do ocorrido, teve que assumir uma vida diferente, mais limitada, mas que não tiraram dele a simplicidade, a imensa capacidade de ser prestativo e a alegria de viver, muitas vezes embalada pelos “xaropinhos” que ele bebia no Iskina's Bar, um dos estabelecimentos para quem ele fazia pequenos serviços gerais e de banco ali no quarteirão da Alberto Torres antes da linha do trem, à cem metros da minha casa...

Antonio “Panela” era meu amigo. Me chamava de “professor” e ficava todo orgulhoso quando eu dizia que ele era uma das “glórias da Alberto Torres”. Aliás, ele era querido por todos que o conheciam e que freqüentam aquele pequeno núcleo de lojas da famosa avenida e que inclui uma grande filial do Super Bom. Numa sexta feira dia 10 deste mês de fevereiro, após uma retirada num banco para uma destas lojas a quem servia, às 15 horas, Antonio foi assassinado com um tiro de pistola por trás, na porta da sua casa e em frente ao supermercado, por dois homens que o haviam seguido numa moto, numa tentativa frustrada de assalto. O dinheiro ficou no bolso de “Panela”...

Quando a violência das ruas sai das manchetes dos jornais para a nossa vida, quando a “vítima” não e só uma foto na tela da TV e sim um conhecido ou amigo, mais do que a grande revolta que sentimos, ela nos obriga a pensar mais profundamente sobre essa tão falada, temida e discutida violência urbana.

Em relação a este tema, como a tantos outros, a esquerda e a direita adotam posições contrárias e até mesmo antagônicas. Adoto aqui os conceitos de esquerda e direita definidos por Bresser Pereira(1), que por sua vez seguiu os passos do grande intelectual italiano Norberto Bobbio, e ambos afirmam que continuam vivos e atuais esses conceitos, sem lugar para uma suposta visão centrista “desideologizada”.

A direita coloca a questão da ordem social acima de qualquer outra na sociedade e assim, os problemas da violência têm que ser tratados dentro do império das leis e de um rigor cada vez maior destas, pois só o cumprimento da lei traz o equilíbrio social. Penas mais duras, diminuição da idade para a maioridade, maior poder de repressão, “exército nas ruas” e finalmente a defesa da adoção da Pena de Morte como solução maior, num “mix” que trazem diversas outras características, acabam sendo a solução proposta. Me espantou nos dias posteriores a morte de Antônio a preocupação de amigos e pessoas do bairro querendo saber se “já pegaram os caras”, como se isto trouxesse Antonio de volta. No fundo é como se a solução fosse “olho por olho, dente por dente...”.

Já para esquerda em pelo menos dois tipos definidos por Bresser, a esquerda radical que defende como a grande solução uma “verdadeira revolução socialista” ou para a esquerda crítica, que não chega a essa posição, mas que se auto define como uma crítica feroz do capitalismo e das suas contradições e que diz que seu papel é esse mesmo, apontar os “desvios de conduta” e a exploração capitalista, pois dentro da ordem capitalista, ainda mais “neoliberal”, não há nada mais a fazer a não ser expor o ponto de vista e a “voz dos oprimidos...”

Bem essas esquerdas simplesmente dizem que a violência urbana é uma filha natural do capitalismo a nada pode ser feito a não ser lutar por uma revolução cada vez mais “estratosférica” ou ficar denunciando a injustiça do “sistema”. Ou seja, nada se pode fazer, novos Antônios “Panelas” inevitavelmente continuarão a morrer.

Sem esquecer que ainda existem as propostas populistas que misturam os dois lados, pois são sempre “salvadores da pátria” que tem a solução no “bolso da camisa”, quero defender aqui uma posição que há muito tomei nas minhas perspectivas políticas e que ficam cada dia mais claras para mim, embora eu vá melhor explicitá-las em artigo posterior.

Eu falo da postura da esquerda social-democrática que entende que somente através de políticas públicas competentes, honestas e baseadas na ética é que poderemos mudar esse quadro da violência e porque não dizer da própria realidade social do país.

Em uma frase: a esquerda democrática tem melhores condições e maior competência para gerir o capitalismo do que a direita, em qualquer das suas matizes, porque essa esquerda coloca a justiça social como mais importante que a própria lei mas é democrática para entender que essa justiça só será alcançada se for resultado da vontade da sociedade e portanto resultado natural do avanço da democracia, que é o único sistema que respeita o outro e administra as diferenças.

Assim, a violência não se resolve só com repressão, mas tem que existir uma política de repressão enquanto a crise social estiver tão alarmante. Mas isso se faz com a “polícia inteligente” que privilegiando a investigação e a pesquisa obteve excelentes resultados em Nova York. Tem que admitir e combater publicamente a banda podre que existe nas polícias civis e militares, ao mesmo em que se tem que aumentar salários, melhorar a qualificação profissional e assim por diante e não criar guardas municipais que são meros cabides de emprego.

Da mesma forma é muito cômodo ficar falando em uma nova ordem social quando a maioria das pessoas que assim falam, reclamam de fato dos impostos que pagam, mas não usam e nem sentem falta da ausência das políticas públicas e não sabem da necessidade concreta e real que milhares de excluídos necessitam e que não podem ser reduzidas a distribuição de sacolões que como dizia o poeta “ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

É preciso publicisar o Estado brasileiro, fazer que ele chegue de fato a quem precisa. Ser de esquerda no Brasil é entender que o serviço público não chega a quem precisa e mudar isso, combater a plutocracia, o patrimonialismo, os diversos interesses corporativos que ficam com a maior parte do dinheiro público entre si e que é ser verdadeiramente revolucionário, ou melhor, aquele que é seu melhor nome e definição, é ser verdadeiramente democrático. Não é possível pensar que Antonio “Panela” morreu porque ainda não existe pena de morte ou porque o socialismo ainda não chegou. Hora, faça-me o favor....

(1)PEREIRA, Luis Carlos Bresser, O Paradoxo da Esquerda no Brasil, www.acessa.com/gramsci, Novembro de 2005.

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